O Sonhar na
Mistura do Mal

Claudio Simeoni
traduzido por Dante Lioi Filho

Cod. ISBN 9788893329187

Indice il male nel crogiolo dello Stregone

 

Mistura do Mal - capítulo vigésimo-sexto

Em todas as tradições passadas, compreendido também o cristianismo, tenta-se submeter o sonhar à razão, atribuindo-lhe significados que pertencem ao modo com o qual a razão descreve ou imagina o mundo. Submete-se o sonhar à razão. O Sonhar em psicologia vem a ser entendido como sendo um momento das tensões, que se desenvolvem no quotidiano, para que elas se exprimam. A interpretação dos sonhos atesta que o significado do sonho é procurado na tradução racional.

Antes da chegada do cristianismo, o sonhar era considerado um sistema por meio do qual os Deuses do mundo se comunicavam com o indivíduo, enviando-lhe mensagens ou sinais. No sonho, os Deuses se comunicavam com os Seres Humanos.

O Sonho outra coisa não é senão um momento de percepção alterada. É um momento em que se manifestam, sob formas de imagens, ajustamentos fisiológicos do corpo e do estado mental; é um momento em que a percepção não está mais dominada pelas regras rígidas da razão, podendo fazer afluir à consciência interpretações diferentes da realidade vivida. É um momento em que os freios inibidores impostos pela razão, que se submete ao indivíduo, são afrouxados, mitigados, e o objeto pode tomar forma ou há situações que são desejadas pela libido.

Este é o sonho dentro dos limites impostos pela razão. Nada mais do que isto pode ser o sonho. Torna-se diferente quando ao sonho, como uma expressão fisiológica do indivíduo, soma-se a sua vontade e a sua determinação. Quando o indivíduo decide fazer do sonho um momento de expressão dele mesmo. As coisas, então, mudam. Igualmente, permanecendo o sonho do modo como é dito, ao mesmo tempo se torna elemento através do qual o corpo luminoso, em crescimento, exprime-se, a si mesmo, sem interferir no quotidiano em que permanece o domínio da razão. O sonho é o momento no qual o sentir, de acordo como se desenvolveu o corpo luminoso, manifesta a exata visão do mundo, as sensações exatas, os estágios do desenvolvimento próprio.

Quando escrevi o Livro do Anticristo, estava convencido de que o sonhar fosse uma manifestação do corpo luminoso, que se desenvolvia e crescia com o sonhar. Não é verídico, foi um equívoco. A formação do corpo de sonho é obtida na vida quotidiana, nas várias decisões que são tomadas, nas escolhas que são feitas, e com os meios que se adotam para enfrentá-la. No sonhar tem-se a tomada de consciência da razão da existência de uma coisa qualquer que ela não conhece, e o sonhar em si mesmo constitui mediação entre a atividade, através da qual o corpo luminoso cresce, e a descrição da razão.

Nem todo o sonhar é recordado, porque a razão não está capacitada para suportar recordação exageradamente diferente daquilo que ela está em condições para descrever. A razão não tem aptidão para conceber o objeto em si e, muito menos, em ver o mundo através dos olhos de um objeto em si que não seja ela mesma. A não recordação da razão constitui um momento de defesa dela, em comparação às representações do corpo luminoso, excessivamente diferentes do que ela está qualificada para descrever.

Uma coisa é forçar os limites da razão e expandir a consciência e a cognição além dos limites racionais educacionalmente impostos; e outra coisa é lançar-se em planos diversos de percepção da realidade vivida, inundando a consciência com informações e descrições que nada têm a ver com a razão.

Costuma-se contar uma fábula, na qual um rei entrou em atrito com um strega e esta, para vingar-se, arremessou veneno em um poço de água, que era usada para beber por todos os habitantes do lugar. Todos os habitantes da região beberam da água do poço, menos o rei. Todas as pessoas enlouqueceram. Os habitantes percebendo que o rei se comportava de modo estranho, começaram a afirmar que ele endoidecera. Não obedeciam mais às suas ordens, pois eram ordens de um maluco. Constatando o que havia acontecido o rei dirigiu-se ao poço e bebeu da água envenenada, e por sua vez enlouqueceu também. E, assim, todo o povo de lá aplaudiu afirmando que o rei havia recuperado o juízo.

Ultrapassar planos descritivos da razão implica nisso. Cada plano com o qual a percepção descreve o mundo, em relação a um outro, é loucura.

Deste jeito, o sonho pode entrar em relação com a descrição da razão somente quando está capacitado para usar os elementos descritivos da razão, para exprimir as tensões de percepção diversas do mundo. As imagens do sonho são imagens feitas com os elementos descritivos e com as recordações da razão. O sonho se exprime sempre com os elementos da razão quando há as adaptações fisiológicas, quando se descarrega a libido mais ou menos reprimida, quando as tensões acumuladas no quotidiano tendem a se liberarem. O sonho se manifesta também com elementos da razão quando o corpo luminoso, em formação, mostra à razão aspectos diferentes do trivial, Aspectos que por ela eram evitados. O sonho se revela, ainda, com elementos racionais quando conforme os estados de ânimo, produzidos do cotidiano, o corpo luminoso transmite estados de ânimo diferentes porque estão ligados a aspectos que a razão não contemplava. Se exprime, inclusive, com elementos da razão quando o crescimento expressivo do corpo luminoso tenta interagir com a razão. Se mostra, além do mais, com elementos da razão também se transferidos em intensidade, consistência e plano; quando o corpo luminoso consegue agir independentemente do corpo físico: a transferir-se de lugar, mas sempre no plano do cotidiano.

Tudo isto é sonhar ligado à razão. Depois do que, temos as divisões, onde os elementos da percepção do corpo luminoso alcançam sim a razão, mas esta se reveste com imagens e significados próprios. Em outras palavras, o que o corpo luminoso transmite é reinterpretado pela razão onde, o significado, está de tal forma fora do sentido da razão, que esta não sabe o que fazer com ele, e o indivíduo se encontra em dificuldade a usá-lo no quotidiano. Isto sucede quando o corpo luminoso assume uma independência interpretativa própria.dos fenômenos que encontra, e se torna suficientemente forte para passar à consciência elementos que a razão não tem capacidade para controlar.

Disto falaremos mais amplamente na Mistura do Stregone nos Quatro Cantos do Mundo.

No momento é suficiente saber que, praticar o sonhar, nos torna conscientes de aspectos diferentes da objetividade, nos ensina a suspender o juízo, nos permite praticar a loucura controlada, nos permite praticar a armadilha, nos permite ocultar o nosso comportamento, e permite nos evadirmos da cela da prisão da parte antiga do cérebro, da qual, a razão se desuniu.

No momento (mantendo-nos sempre fora das drogas alucinógenas e das drogas em geral, que sempre acabam deformando o sonhar, porque alterando a percepção tornam o indivíduo dependente delas, e portanto uma pessoa destruída), é o bastante sabermos que não existe nenhum meio para interferir no sonho, salvo a tortura física. E, inclusive esta, nem sempre tem os efeitos desejados pelo torturador.

Interromper o sonhar foi necessário para ter a pessoa sob controle, que os monoteístas exerciam sobre o Ser Humano. O sonho, na antiguidade, constituía um modo para se ter mensagens do deus, dos seus profetas ou dos vários Deuses. Se o sonho era um patrimônio comum dos Seres Humanos, cada Ser Humano podia entrar em contato com a divindade, com o deus, ou com os Deuses, e comunicar mensagens que poderiam colocar em crises a administração de cada Comando Social.

Na Mistura do Mal (Crogiolo del Male) observamos duas diretrizes fundamentais que destroem o sonhar. A repressão sexual e a repressão física no quotidiano.

Reprimir a sexualidade nas crianças constitui uma arte para se destruir o sonhar (além de destruir a vida de cada indivíduo). O Sonhar empenhar-se-à, de todos os modos, para compensar a destruição da satisfação da libido, que não terá espaço para outras coisas. Em seguida, a repressão da sexualidade é acompanhada dos fantasmas que os cristãos impõem à razão, é acompanhada de medo do demônio e com sensação de culpa. A violência com a qual os cristãos impõem tais alterações da libido, não tem precedentes na história da infância. As crianças são forçadas, constrangidas, a sofrerem a propagação da libido delas em condições de terror, medo seguido por uma sensação de culpa, e para que essa angústia seja remediada se vêem obrigadas, gradativamente ao se tornarem adultas, a construírem condições sociais destrutivas, como sendo uma forma para poderem liberar os impulsos da libido delas.

Em acréscimo a canseira do trabalho, como uma forma de destruição do vir a ser do indivíduo. Poucas expressões na história da humanidade são vis, porcas e miseráveis, como a expressão da regra beneditina "Ora et labora", isto é "Reza e trabalha". A destruição da vida dos indivíduos é sistemática. Basta pensar que a quantidade necessária de trabalho de uma mulher para que tivesse o necessário para viver, nos anos de 1600 a 1700, na Europa, era de dezesseis horas por dia de trabalho, contra menos duas horas de um aborígene da Austrália. O horror católico teve de destruir e massacrar os aborígenes australianos, porque se não tivessem cansaço suficiente no trabalho para viverem, poderiam se permitir a prática da magia da vida e do sonhar.

Estamos vendo as duas diretrizes fundamentais da Mistura do Mal (Crogiolo del Male): a repressão sexual e a repressão física.

A Mistura do Mal não está capacitada para agir na percepção alterada do homem, mas procura agir no cotidiano para construir fantasmas, isto é para que a percepção alterada não esteja em condição de exprimir-se.

O ataque da Mistura do Mal concentra-se na repressão da sexualidade e sobre a administração subjetiva do dia-a-dia. As grandes lutas sociais, que levaram à liberdade sexual e aquelas que pugnaram pela redução do tempo de trabalho, necessário para se viver, nada mais foram do que lutas para desenvolver a possibilidade de expressão e crescimento do corpo luminoso dentro do Ser Humano. Foi a reconquista do Poder de Ser próprio, em contraposição ao Poder de Possuir de um Comando Social, que mediante a violência bloqueava o Poder de Ser dos indivíduos.

A Mistura do Mal concentra a sua ação coercitiva em relação às crianças, porque elas são ideológica e culturalmente indefesas diante das suas propostas. As crianças conhecem o valor negativo daquilo que é proposto por eles, porém não estão em condições para oferecerem uma proposta, em decorrência da situação de menoridade em que vivem; poderem projetar os efeitos advindos da sequência das transformações, efeitos que as chamam, e elas não têm direitos sociais por meio dos quais poderem se opor a tudo o que lhes é apresentado. Além do mais, não têm instrumentos para poderem discriminar entre o que é bom e o que é mal para elas. As crianças constituem o objeto preferido de quem amalgama a Mistura do Mal, para poderem destruir o vir a ser do indivíduo.

Falando-se em leito, dormir, das tensões do corpo, Armanda Guiducci, no seu livro "A maçã e a serpente", nos narra:

"Extraída à fórceps da linguagem do seu isolamento terrível, esta cena adquire um sentido, se a introduzo dentro do inteiro sistema do meu conhecimento. Então, como uma ficha em um jukebox (máquina de música) faz com que um som seja transmitido. Duas asas de papelão, em que a sedução foi tal, ao ponto de ser incancelável, me convencem de que os enganos de uma educação católica foram empurrados para dentro da minha garganta, antes mesmo que eu tivesse o mínimo controle sobre mim mesma.

Eis de onde chegavam a segurança e o orgulho da virgindade.

Mocinha, estirada submissa sobre o leito triste, as pernas hermeticamente fechadas, alinhadas ao longo dos quadris. Deus me via reservada, e eu desfrutava desta compostura da qual Deus também desfrutava. Eu e Ele, ambos, nos alegrávamos de tanta virtude."

E ainda:

"Enquanto deitada na cama, estirada como num sarcófago, eu tinha vontade de me tocar. O meu corpo, na realidade, me deixava curiosa. Mas raramente cedi a essa tentação. Existia além de tudo a face do Anjo da Guarda. Quando aconteceu foi sempre seguido por um sentimento de culpa. Nunca me atrevi a masturbar-me."

O catolicismo transformou a sexualidade em um delito com sentimento de culpa feroz. Construiu comportamentos fóbicos como respostas subjetivas à sua repressão sexual. Na tentativa de destruir o vir a ser dos indivíduos. Assim, o sexo, é uma arte mágica através da qual funde-se os campos vitais, acelera-se os fluxos de energia vital, e há o consentimento aos indivíduos para completarem as variações na eternidade das mutações; tudo isto se torna horror, obsessão, violência, sofrimento.

Guiducci sempre assevera a respeito das reações à repressão sexual:

"A mais feroz destas foi uma certa moça de nome Raimunda: nariz achatado, na faixa dos dez anos de idade, ameaçadora e agressiva. Havia nela uma tal vontade de estuprar-se que não podia ser deixada sozinha em um quarto. Os genitores ficavam em contínua vigilância atrás das portas. Aos sete anos de idade, encontraram-na se masturbando com um lápis. A partir de então, gradativamente que isso lhe foi negado, a sua caça fálica clandestina se exasperou. A sua ambição pelos mais inacreditáveis objetos pontiagudos se torna insaciável, e grotesca. Foram escondidos lápis, canetas esferográficas, e tudo o que pudesse excitar a sua fantasia e o seu instinto..."

Destruir o desenvolvimento normal da sexualidade e, de igual modo, obter o controle da pessoa, alimentando a sua razão com fantasmas (como o Anjo da Guarda) com a finalidade de culpabilizar o indivíduo nas suas ações e nos seus prazeres, constitui um delito abominável.

Isso destrói o sonhar, sendo que ao sonho está reservado governar a sobrevivência do quotidiano.

Os sonhos, como mensagens para que o indivíduo se libere das fobias sexuais, que os católicos impuseram, ao que se refere às crianças, fizeram a fortuna da psicanálise neste século.

Os exemplos que podemos dar, para a elucidação do tema, são muitíssimos, aos milhares, mas tratarei de apenas um que permite construir uma relação direta entre libido reprimida e as ligações das mensagens do sonhar interpretadas por um dos maiores psicanalistas deste século, Wilheim Reich, na sua Genitalidade.

[...]

O condicionamento sexual representa uma arma para se destruir o sonhar e endereçá-lo a uma forma de simples sobrevivência. Quantos íncubos têm aparecido nos sonhos dos rapazes que estão submetidos à coerção sexual cristã. Quantas auto-culpabilizações sob formas de demônios tentadores, aparecem em seus sonhos. E tudo isso para a disseminação do horror obrado, maquinado, pelos católicos na tentativa de destruir o sonhar dos indivíduos.

Deve-se salientar como os trabalhos de psicanálise dos psicanalistas, da primeira metade do século aos seus trabalhos de hoje, têm os conteúdos muito mudados. Mas, essas mudanças nos conteúdos dessas atividades, constitui uma questão social. Efetivamente, a repressão sexual do início do século foi em grande parte derrotada pela liberação sexual dos anos sessenta (movimento jovem de 1968) e consolidada, em tempo próprio, pela intervenção de um Comando Social que tinha a intenção de superar aquela liberdade nos costumes, com a finalidade de ampliar a base de consentimento no país.

Portanto, os conteúdos (nos trabalhos da psicanálise) e a quantidade de pessoas que sofrem a repressão sexual se modificaram. Patologias psiquiátricas velhas estão propensas a desaparecerem, ou, a se limitarem em porções de pessoas definidas, enquanto novas patologias, ou outras patologias, como a depressão, que é produzida pela educação católica, se apresentam como problemas sociais.

Neste momento cultural, impõe-se a grande guerra do catolicismo contra o sonhar.

Não é por acaso que o movimento da New Age é mantido por cultores que interpretam o sonho dentro de um modus operandi próprio, cujo resultado final é de qualquer modo determinar os credos absolutistas e dogmáticos diferentes dos católicos,

Este modo de agir obriga a igreja católica a abrir batalha para demonstrar que no fundo o sonho é somente sonho, expressão do desejo inconsciente, esquecendo-se de como a sua doutrina nasce exatamente dos sonhos que os seus pseudoprofetas tiveram.

Vamos agora ao segundo elemento, que por seu intermédio o catolicismo inclinou-se à destruição do sonhar dos Seres Humanos: o cansaço advindo do trabalho.

Engaiolar os indivíduos, acorrentar-lhes e obrigá-los à trabalhos bestiais, de maneira que não possam repousar senão quando exaustos das preocupações existenciais, vindo a ser destruída cada possibilidade deles para exercitar o sonhar. O sono e o sonho interferem no indivíduo que, nesse caso, muito mal consegue relaxar, e a despeito disso, é obrigado a ter sonos e sonhos breves, interrompidos, somente para a satisfação da sobrevivência.

A escravidão do colonialismo produziu isso também.

O cansaço do trabalho imposto, através da violência sobre a subsistência subjetiva, é a arma com que o catolicismo destrói o vir a ser humano e a sua percepção no sonhar.

Os católicos, com os seus valores no banco, se dirigem às pessoas que estão na miséria e, dizem sorrindo: "Mas, é bom esse pedaço de pão..." Estão zombando das pessoas em miséria colocando a atenção sobre a penúria imediata, para que continuem na miséria.

Examinaremos somente alguns trechos, que não somente nos permitem compreender como o catolicismo, através da Mistura do Mal, tem destruído a construção do vir a ser humano, estuprando sistematicamente o vir a ser das crianças, e consequentemente o Sistema Social do qual são expressões, e através do cansaço do trabalho necessário, e imposto, destruíram as bases sobre as quais construir o sonhar.

Não existe a prática do sonhar lá aonde o horror da sobrevivência permeia a existência dos Seres Humanos. Deves ocupar-te do horror no qual estás vivendo, e o sonhar deve ajudar-te a sobreviver ao horror.

Leiamos "O abandono das crianças na Europa Ocidental" - de John Boswell:

"As classes mais pobres continuavam a abandonar os filhos, em um grande número, para servirem junto às famílias mais ricas. Entre os servos registrados no cadastro florentino de 1427, o recenseamento mais meticuloso da Europa pré-moderna, mais da metade tinham menos de doze anos de idade. Em uma economia que estava sempre mais apoiada no dinheiro, os genitores pobres "vendiam" os serviços dos filhos aos mais ricos, com uma "sistematização" que, se não constituía escravidão no sentido técnico, certamente não se afastava muito dela, e tinha precedentes na distante antiguidade. Como no passado, as famílias abandonavam os filhos tendo a pobreza como causa, pela ilegitimidade, pela deformidade ou pela má saúde das crianças, e pela constante insistência da Igreja pelo fato de que as deformidades eram consequência da intemperança dos genitores."

E ainda mais adiante com data aproximada, em torno de 1427, após o conto do trabalho pesado dos Hebreus, banido da Espanha:

"Horrores semelhantes não eram certamente "típicos", mas a transição da tardia Idade Média à Europa pré-moderna, foi incrivelmente preenchida com trabalhos pesados e violenta, e muitas camadas da sociedade - principalmente aquelas que se encontravam em um nível mais baixo - sofriam de fato de um modo que causava piedade.

Continuemos lendo o trecho anterior escrito por John Boswell:

"Os meninos escravos eram constantes particularmente na Europa meridional, aonde, nas partes centrais relativamente ricas, as quais representavam as regiões que mais absorviam a grande parte da mercadoria humana, que era vendida nos mercados da Península Balcânica e do Norte da África. Um terço dos escravos vendidos na Sicília, em Nápoles e em Veneza, tinham menos de treze anos de idade (nota: Durham em 'Some Tribal Origins' acentua que Ragusani, Dalmati e Serbi vendiam os filhos às famílias mais ricas mesmo no século XX. Os meninos eram oficialmente "adotados", mas em muitos casos eram destinados a Istambul, e com frequência eram violentados pelos "pais" e pelos "irmãos" adotivos). As crianças que demonstravam estar em condições para serem servis, as provenientes das terras pagãs, consistiam um espetáculo costumeiro nas casas dos ricos, espetáculo que entre outras coisas era fornecido aos europeus; haviam as que se encontravam em situações que demonstravam que podiam ser dadas como garantia oportuna, ou igualmente filhos que deveriam ser punidos. Em muitas ocasiões as crianças eram forçadas a se prostituírem, como havia acontecido às suas predecessoras nos tempos antigos. Os filhos dos escravos eram geralmente abandonados, e portanto, fáceis de serem recolhidos e vendidos, e inclusive eram pegos para ficarem em hospícios, locais aonde um destino melhor ou pior os esperava. Os criados em casas muito raramente eram considerados livres."

Agora, se isto não for suficiente, saltemos alguns séculos atrás e vejamos o que acontece no mundo do trabalho dos menores de idade, aproximadamente no século dezenove. Do livro "História dos pobres no ocidente", de Vincenzo Paglia (um dos que tanto se esforçou para edificar os pobres):

"Na segunda metade do século dezessete, iniciando-se na Inglaterra de modo gradativo e irreversível, o tipo de proto-indústria fundada com a economia familiar, no sistema das fábricas, caracterizado pela concentração da mão de obra e pela mecanização do trabalho. Surgia, assim, uma nova classe operária. Um processo, para se dizer a verdade, ao invés de lento se for considerado que ainda em 1850 o número total de operários nas fábricas somava a não mais de 5% na Inglaterra, a cerca de 4% na Bélgica, 3% na França e a menos de 2% na Suíça e na Prússia, e que o mesmo sistema de trabalho domiciliar resistiu por muito tempo.

Os empreendedores usufruíam com grande frequência das mulheres e das crianças. No final de 1700 na indústria do algodão da cidade de Gran, a mão de obra era constituída de 70% por mulheres e crianças, na faixa etária entre seis e dezesseis anos; fala-se em ataques a orfanatos e a albergues de mendicância para juntar a "matéria-prima de menor custo no mercado." Em Antuérpia, depois da reorganização da assistência (1799), não menos de 18 empreendedores têxteis se dedicaram a esse oficio para requisitarem mão de obra; imediatamente 400 pobres tiveram de colocar-se à disposição dos empreendedores. Tais medidas, contudo, aos poucos que o processo de industrialização necessitava de operários qualificados, tornaram-se inúteis."

E para compreendermos a necessidade mesquinha por parte da igreja católica, continuemos lendo o mesmo livro:

"Foi típica, no início de 1800, a oposição das hierarquias eclesiásticas ao chamado "auxílio legal". Tratava-se da criação por meio da intervenção de um órgão estatal - financiado com a arrecadação de uma taxa conveniente - pelos institutos de previdência e assistência capaz de remediar as mais evidentes aflições do operário paupérrimo. Os bispos afirmavam que a transformação da esmola em um direito exigível implicava na impossibilidade do rico generoso conquistar o paraíso, e ao mesmo tempo, privava o pobre que teria de aceitar com resignação a sua condição, de ganhar a salvação por esses meios. Era, por outro lado, da convicção comum que a desigualdade social é desejada por Deus: chegou-se a falar de "desigualdade inelutável". É exemplificador um sermão divulgado em 1827 pelo abade Robinot: "A sociedade pressupõe, necessariamente, a desigualdade das condições humanas e das fortunas...Se supormos que todos os homens fossem iguais... não haveriam mais ligações entre eles; não haveria mais nem a ordem, nem a subordinação, nem a autoridade e nem a dependência... Esta lei da desigualdade das fortunas, que fere o orgulho e irrita a cobiça de outros, está, portanto, tanto no interesse da sociedade como nos planos de Deus; porque é Deus que faz o pobre e o rico; Deus que abaixa e eleva; Deus que sem nunca abandonar ao acaso, destina a cada um o papel que ele achar oportuno para ser desempenhado, a posição que deve conservar, a função que deve acontecer no corpo do qual é elemento." Segundo esta visão, que levava a igreja a se opor a cada tentativa de qualquer mudança na estrutura social, tornava-se lógico que os pobres deveriam se conformar com a condição deles; a aceitação, antes, se torna uma virtude soberana dos pobres, revigorando-se com a convicção comum dos católicos que confundem reforma social, subversão total da sociedade e da própria religião".

Tudo o que expusemos a vocês, pertence a um espaço de tempo de numerosos séculos. Tudo o que foi introduzido, nesse período, teve o desígnio de destruir a formação do corpo luminoso do indivíduo, através de uma submissão, como o elemento fundamental, contra o próprio existir em sociedade.

Dissemos que a formação do corpo luminoso no indivíduo não sucede no Sonhar, mas é produzida pelas tensões cotidianas e pela relação que o indivíduo constrói com essas tensões. Porém (nesses séculos da submissão), ao sujeito não é deixada nenhuma escolha. Ele deve ser subjugado e não pode reivindicar nenhum direito objetivo. Não existem direitos objetivos. Não existindo direitos objetivos, está à mercê de cada subjetividade que tem o desígnio de destruir o seu vir a ser.

A igreja católica, como a maior patrocinadora da Mistura do Mal, tem a incumbência de destruir cada respiro social propenso a limitar a dramaticidade da existência no cotidiano. Ela deve impedir que os Seres Humanos tenham algum tipo de direito objetivo para ser reivindicado, inclusive nas competições paralelas a ela. Hoje, para um Wojtyla, como para o seu sucessor, ou para cada precursor seu, os Seres Humanos pertencem simplesmente a um gado. Não devem atravessar as mudanças infinitas, e portanto, não devem participar do desenvolvimento do corpo luminoso deles por meio da participação na existência, e no sonhar deles. Deste modo, realiza-se a vontade do deus dos cristãos: o homem não colherá da árvore da vida para poder viver eternamente.

A escravidão do trabalho, da qual a igreja católica é promotora, garantindo-a com a exaltação da submissão e aumentando a resignação, isto nada mais é senão um ato de magia negra cujo escopo é a destruição do vir a ser dos indivíduos, colocando-os de joelhos diante do criminoso Jesus de Nazaré, no qual ela se identifica e, diante do carniceiro de Sodoma e Gomorra, de quem ela imita as façanhas.

É destes dias uma notícia, por fontes jornalísticas, que indica como a necessidade dos católicos em destruir o vir a ser humano é atual, e está continuamente em execução. O objetivo deles é impedir a construção do corpo luminoso, violentando o vir a ser das crianças.

Extraído do jornal A República (La Repubblica) de 12.07.1998:

"O bispo Charles Grahmann, responsável pela diocese, emitiu um comunicado de desculpas às vítimas, e escreveu uma carta que será lida hoje na missa de domingo, em todas as paróquias. Os abusos sexuais cometidos por Kos se estenderam num espaço de tempo de onze anos, e o padre foi exonerado dos seus deveres pastorais somente no ano de 1992, anos depois que outros sacerdotes, seus colaboradores, tinham denunciado às autoridades eclesiásticas o seu comportamento, "

O problema das doenças sexuais por parte dos sacerdotes é particularmente alarmante nos Estados Unidos, aonde mais de 200 padres, informação do Washington Post, cumpriram penas de detenção por acontecimentos semelhantes a partir dos anos oitenta. Em defesa das vítimas, foram criadas associações como Linkup, dirigidas pelo ex padre Tom Economus."

A destruição do sonhar acontece através de duas diretrizes fundamentais: a repressão sexual e a escravidão no trabalho.

Nos últimos séculos assistimos a uma diminuição de um de outro. Também se a escravidão salarial está em vias de realização, como em vias de realização são todas as tentativas de manipulação sexual dos indivíduos, existe sempre um número maior de indivíduos que se liberam desta submissão. A liberação coloca-os nas condições mais oportunas para enfrentarem a construção do corpo luminoso próprio.

Disto o sonhar se torna elemento importante da própria existência.

Os católicos se colocam o problema de como enfrentar os sonhadores. Recordemos como toda a psicanálise faliu diante das fobias sexuais, que os padres pretendiam que resultassem de uma violência à fé. Ato de fé que produz a fobia sexual e que não pode ser removida, porque para remover a fobia sexual devem ser removidas todas aquelas ações que impõem a fé.

Os cristãos devem destruir o conceito de sonhar demonstrando que o sonho não tem nada nem de mágico, nem de útil ao homem. É uma pena que eles são estranhos ao sonhar, porque a fé deles destrói sistematicamente a possibilidade da construção do Corpo Luminoso, e portanto, o sonho para eles é sempre ou íncubo ou de algum modo está ligado à razão deles.

Estranhos ao sonhar, eles não têm capacidade para compreender como os sonhadores podem desenvolver o sonhar sem que, como os cristãos, pensem que foram criados à imagem e semelhança de um deus criador do universo, e podem desenvolvê-lo do mesmo modo. Porém, a vida é um processo por meio do qual o indivíduo constrói a si mesmo. Cada vez que optamos por uma determinada escolha, estamos anulando milhões de possibilidades para a opção de escolhas diversas. E a escolha nos transforma psicologicamente, fisicamente, emotivamente e em toda a esfera do nosso já vivido, gerando o que nós, genericamente, chamamos ideias. Essa construção de si mesmo pode afastar objetivos hipotéticos, mas não existe volta. Se não são construídas as relações entre o Ser Humano e o mundo ao seu redor, não pode existir a formação do Corpo Luminoso, e por consequência, o sonhar outra coisa não é senão a manifestação da sobrevivência da razão.

Os católicos podem contar, apenas e tão-somente, com aqueles que são iguais a eles, isto é, com aqueles que destruíram a possibilidade de construir a si mesmos, renunciando a usar a própria vida como uma oportunidade para ser eterno. O sonhar deles será somente igual a eles. Um sonho que revela a doença psíquica do delírio pela onipotência, além de como tais delírios se lhes foram apresentados no quotidiano.

Os Seres Humanos que desenvolveram, por meio de suas escolhas, o corpo luminoso, continuarão a sentir o sonhar como algo de importante para ser controlado e seguido, o quanto for possível, sem se abandonarem a ele.

Da organização, por parte da igreja católica, de agressão mediante teorias de desprezo do sonho e do sonhar, o Jornal da República nos dá notícia:

Está escrito no Jornal da República de 28.06.1998 a propósito da assembléia de Rimini de Comunhão e Liberação, um dos braços em atividade da CEI:

"Muitos intelectuais chamados para discorrerem sobre "sonho": do nobel Renato Dulbecco ao sociólogo Francesco Alberoni, do teólogo Angelo Scola ao histórico Leonid Luks, à crítica Irina Alberti, ao jurista Francesco Gentile".

Liberar-se da estrutura coercitiva, no quotidiano, permite ao indivíduo construir a sua arte própria do Sonhar.

Não existe a possibilidade de construir-se a si mesmo quando se vive em condições existenciais de submissão psicológica, ou, de miséria social. É necessário construir as melhores condições de vida para a estrutura social inteira, para com isto favorecer a construção de si mesmo, e consequentemente o nosso desenvolvimento nas mutações infinitas.

Quando os nossos antepassados saíram do caldo primordial (brodo primordiale) e a atmosfera não estava adaptada ao desenvolvimento das formas de vida, como nós hoje as conhecemos, nossos antepassados com todos os antepassados dos Seres da Natureza, modificaram a atmosfera. Foi uma façanha colossal. Por quê, portanto, ofender essa façanha e não modificar as condições de vida melhorando-as?

São os sonhadores que o fazem. São os sonhadores os Guardiões do futuro!

*Nota*: o texto foi amplamente revisto tanto na forma como nas explicações.

Marghera, 30 de agosto de 1999

 

A tradução foi publicada 06 de agosto de 2015

Aqui você pode encontrar a versão original em italiano

 

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Claudio Simeoni

Mecânico

Aprendiz a Stregone

Guardião do Anticristo

Tel. 3277862784

e-mail: claudiosimeoni@libero.it

A Mistura do Mal

A incapacidade dos homens para enfrentarem a vida deles é construída meticulosamente pelo cristianismo, mediante a violência sobre a infância. Construir a destruição do homem constitui uma invenção hebreia e cristã. Sucede que nos USA muitas pessoas, que partem para as guerras que os USA provocam no mundo, retornam psicológica e emotivamente devastadas. Educadas a serem submissas a um deus patrão, e convencidas de estarem em condições de matarem qualquer um, o delírio de onipotência dessas pessoas se choca com a realidade, enlouquecendo-as.